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– Canção do Silêncio e do Sangue
As labaredas da batalha já haviam se apagado, mas o fogo nos corações dos Guardiões ainda ardia. No campo sagrado onde outrora brotara a praga, agora cresciam flores douradas da Árvore da Vida. Os aliados se reuniam ao redor das piras, entoando canções antigas, cânticos de guerra e de glória — versos que falavam de Adam, de Moira, de Dimitry, do sacrifício e da esperança.
— Por Dimitry, até a morte! — bradavam os filhos do Urso, erguendo os punhos e taças de hidromel.
Mas Tharion permanecia em silêncio, afastado da multidão. Seus olhos vagavam pelo campo como se buscassem algo além da névoa do mundo. A alegria alheia soava distante, abafada por um coração dividido. Seu corpo ainda guardava a força da explosão que salvara a filha. Seu peito, no entanto, pesava como se o mundo estivesse suspenso sobre ele.
Dimitry, ainda com os olhos marejados pela visão da vitória e das árvores renascidas, se aproximou do jovem guerreiro. O rei não precisou de palavras pomposas.
— Eles estão bem, Tharion. — disse, pousando a mão em seu ombro com firmeza. — Estão na Biblioteca com o Erudito. Kátyra, Liora... e o pequeno Titos.
Tharion abaixou a cabeça. Uma lágrima solitária desceu, mas não de dor — era outra coisa. Era esperança.
— Quando a festa terminar, irei à tenda real. — murmurou.
— Mais tarde, sim — assentiu Dimitry. — Mais tarde, verás com teus próprios olhos aquilo que o destino selou.
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Com prazer, Amanda! Continuando nesse ritmo, com o contraste entre o campo de batalha em festa e o silêncio cheio de mistérios da Biblioteca, aqui vai a próxima cena do capítulo:
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– NA Biblioteca de Cristal.
No coração silencioso da Biblioteca, onde o tempo parecia respirar em outro compasso, o brilho das colunas de cristal dançava suavemente sobre as paredes curvas. Kátyra dormia, envolta em mantos dourados, os cabelos prateados derramados como água sobre os travesseiros. Sua respiração era tranquila, mas seus braços ainda envolviam a pequena Liora como se fossem muralhas contra o mundo.
Aelys estava sentada em uma poltrona ornamentada com espinhos e penas, as mãos trêmulas sobre o livro que o Erudito lhe entregara. O couro envelhecido parecia murmurar em sua pele. Ela o abrira por acaso em uma página marcada com uma fita vermelha, e ali, em letras arcaicas em adâmico, lia-se:
"Tharion de Ebron, da Linhagem Velada. Filho de..."
Aelys prendeu a respiração.
Abaixo do nome de Tharion, duas ramificações recém-escritas brilhavam em tinta dourada:
"Titos."
"Liora."
Ela levou a mão à boca, os olhos marejados de incredulidade. Não era apenas uma revelação — era uma confirmação divina. Aquilo estava sendo registrado, naquele momento, nas raízes de uma linhagem antiga demais para ser contada em páginas.
Ao lado, em uma mesa repleta de doces encantados, o Erudito observava Titos com uma colher de cristal na mão.
— Mais um pedaço, meu jovem símbolo da nova era? Este tem gosto de estrelas cadentes com mel de âmbar!
Titos, curioso, aceitou a colher. Saboreou com os olhos fechados.
— Tem gosto de... abraço. — disse, limpando o canto da boca com as costas da mão.
O Erudito sorriu de lado, o olhar mergulhado em séculos de conhecimento.
— Você tem olhos antigos, pequenino. E a força da mãe... mas os gestos... ah, os gestos são todos dele...
O Erudito então olhou para o teto, como se falasse com as paredes:
— Aelys verá antes que os outros. E quando vir, não dirá. Porque saber é mais do que dizer, e dizer é menos do que proteger.
Ele estalou os dedos. Um cobertor mágico envolveu Titos. Ele bocejou, aconchegando-se. A sombra de um dragão ancestral se projetou nas estantes, como se velasse o sono do menino.
A biblioteca, então, respirou fundo — e o silêncio sagrado retornou.
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– A Tenda Real
A noite ainda vibrava com canções e gritos de vitória, mas dentro da tenda de Dimitry, o mundo parecia suspenso em um silêncio reverente. O rei retirara a armadura, trajando agora um manto de linho azul escuro, bordado com ursos prateados ao longo das mangas. No centro da tenda, apenas uma mesa com mapas e duas taças. A chama de uma única vela tremulava.
Tharion entrou com passos firmes, mas o olhar ainda perdido. A poeira da batalha grudava em seus ombros, e a expressão cansada denunciava o turbilhão por dentro. Ele se curvou respeitosamente.
— Majestade.
Dimitry ergueu a mão, dispensando formalidades.
— Tharion. Sente-se. — disse com voz baixa, mas imponente. — A noite foi longa. E ainda mais longa será a estrada que vem depois.
Tharion se sentou.
— Estou à disposição do rei. Onde for necessário... seja para reconstruir, para proteger, ou...
— ...para vingar? — completou Dimitry, cruzando os braços sobre a mesa.
Tharion baixou os olhos, respirou fundo.
— Não busco vingança. Busco propósito. Depois de tudo, penso em voltar às Terras Baixas... não para fugir, mas para fazer diferente. Há muito a ser feito por lá, e... talvez agora eu saiba como.
O rei assentiu lentamente, como quem esperava essa resposta.
— Melhoria nas raízes, então. Uma boa escolha. Talvez a melhor.
Houve um silêncio confortável entre os dois. Dimitry serviu a taça para Tharion, depois a sua.
— E quanto ao poder que manifestou?
Tharion parou, segurando a taça sem beber. Seu olhar se perdeu entre as chamas da vela.
— Não sei explicar. Não foi racional... Foi instinto. Eu... vi minha filha em perigo. Algo em mim... explodiu.
Dimitry o observava com intensidade, mas sem julgar.
— Instinto é uma coisa. Magia, outra.
Tharion ergueu os olhos.
— Eu sou um Bardaxa, Majestade. Nós não...
— ...não possuem habilidades mágicas. — completou Dimitry, recostando-se. — É o que sempre ouvimos. É o que nos fizeram acreditar.
Um longo silêncio se instalou. Tharion parecia buscar respostas dentro de si, mas encontrava apenas novas perguntas.
— Está me dizendo que...?
Dimitry se levantou. A vela projetava sua sombra enorme contra a lona da tenda.
— Estou dizendo que talvez você seja muito mais do que disseram que era. E que há coisas em você... que nem mesmo o Conselho ousou nomear.
Ele caminhou até a entrada da tenda e puxou a lona, revelando a noite cheia de estrelas.
— Durma, Tharion. Amanhã... será outra era.
Tharion se levantou, com a mente girando. Ao sair, olhou para o céu e sussurrou algo inaudível.
Lá atrás, Dimitry olhava o mapa sobre a mesa. Sobre o local onde antes existia a praga, agora havia um desenho delicado de uma árvore.
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