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Capítulo — "A Coroa e a Cova"
As trombetas soaram ao meio-dia. O céu, enfeitado com dragões de estandarte e grifos prateados bordados nas bandeiras, fingia um júbilo que o povo não sentia. O casamento da princesa Kátyra com o príncipe Erizy fora anunciado como a união dos clãs em tempos de crise. Mas os olhos atentos sabiam: aquilo era uma farsa vestida de ouro.
O templo de gelo e pedra estava lotado. Guardiões, Darxas, representantes das Casas e súditos dos quatro ventos estavam presentes, cada qual com sua máscara. Adam, imóvel como uma estátua antiga, fitava a neta com um olhar indecifrável. Dimitry e Cora sustentavam a compostura com dificuldade.
Kátyra entrou com a cabeça erguida, o vestido azul-acinzentado cobrindo-a como uma armadura de seda. Ninguém via suas mãos trêmulas sob as luvas. Ninguém via o silêncio gritando dentro dela.
Erizy sorriu com a vitória dos vis, o sorriso de um homem que pensa ter subjugado um dragão.
As palavras rituais foram ditas. A relíquia da linhagem, uma esfera de cristal âmbar, foi tocada pelas mãos dos noivos. Um leve brilho confirmou o sangue do herdeiro. A mentira estava selada.
Quando os aplausos ecoaram, Kátyra apenas fechou os olhos por um instante. E pensou em Tharion.
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A noite caiu com lentidão cruel. O banquete foi farto, as danças longas, os brindes forçados. Mas todos esperavam o mesmo desfecho: a consumação pública do casamento, como mandava a tradição dos clãs antigos.
No quarto cerimonial da Torre Nival, pétalas foram espalhadas sobre o leito. Perfumes doces disfarçavam o odor de incenso sagrado. E ali, Kátyra esperou.
Erizy entrou embriagado de poder. Seus olhos brilhavam de luxúria e dominação.
— A princesa se curvou, afinal. — ele murmurou, tirando o manto. — Você pode ter fugido por uma noite... mas agora é minha. Até o fim.
Kátyra se manteve imóvel. Não por medo, mas por cálculo.
— Eu não sou sua, Erizy. Só fui colocada aqui.
— E quem liga? Os olhos viram, o cristal confirmou, e a corte aplaudiu. Você é minha esposa agora. E amanhã, será minha posse diante dos reinos.
Ele se aproximou, tocando-a com violência disfarçada de carinho.
— Se você se debater... não vou me incomodar. Isso só me excita mais.
Ela segurou o olhar dele com frieza. Não choraria. Não imploraria.
— Então faça. Mas saiba que dragões dormem... até queimar tudo.
Ele não riu. Pela primeira vez, viu algo nos olhos dela que não compreendia: controle. Mesmo ali, vulnerável, Kátyra era a tempestade contida.
A noite foi longa. Não pelo ato em si — que ele conduziu com brutalidade previsível —, mas pela tensão. Kátyra não se partiu. Não gritou. E ao final, quando Erizy adormeceu satisfeito, ela se levantou em silêncio e lavou o o corpo em uma bacia de prata, como faziam as rainhas antes da guerra.
O reflexo na água não era o de uma esposa. Era o de uma criatura à beira do abismo.
E naquele momento, Kátyra soube: o tempo de reagir havia terminado.
Agora era hora de agir.
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