A cidade parecia cinzenta naquela tarde de outono. O céu, pesado de nuvens, despejava uma chuva fina que escorria pelas calçadas sujas, como se o mundo estivesse lavando suas próprias lágrimas. O som dos pingos era abafado pelos carros apressados e os passos apressados de quem buscava abrigo.
Mas em um beco escondido entre dois prédios sem vida, havia alguém que não corria.
Sentada contra a parede fria e úmida, uma garota de aparência exótica encolhia-se como quem tentava desaparecer. Seus cabelos azul-escuros estavam grudados no rosto pela água da chuva. Seu corpo, coberto por roupas rasgadas e sujas, tremia não apenas de frio, mas de medo, dor e desamparo.
Seus olhos, de um tom intenso e sobrenatural de azul, estavam marejados. E mesmo naquele momento, ela tentava esconder o que não conseguia: dois chifres pequenos, curvados, enfiados por baixo de um boné velho que mal os escondia.
Era Aiko.
Uma oni de outro mundo.
Uma fugitiva de um passado que ela não escolhera.
Ela apertava o próprio corpo como se tentasse manter seus pedaços juntos. Algumas marcas de feridas recentes manchavam sua pele, memória cruel do encontro com ladrões que não se importaram com sua origem — ou talvez tenham se importado demais.
"Por que eu... por que eu ainda estou viva?", sussurrou para si mesma, a voz abafada pelo som da chuva.
Foi nesse momento que os passos ecoaram pelo beco.
Aiko congelou.
Ela se encolheu mais ainda, apertando os olhos. Alguém se aproximava. Mais um humano? Outro perigo? Outro tapa? Outro chute? Ela já não tinha forças pra correr. Nem esperança.
— …Você está bem?
A voz era suave. Masculina, jovem.
Ela arregalou os olhos.
— N-não me machuque! — gritou, num impulso, erguendo os braços para se proteger.
O rapaz parou, surpreso. Estava debaixo de um guarda-chuva azul-marinho. Seu uniforme molhado da faculdade colava ao corpo, o cabelo castanho escuro pingava água, e mesmo assim, havia ternura no olhar.
Ele se ajoelhou.
— Calma… tá tudo bem. — falou, devagar. — Eu não vou te machucar.
Ela apenas tremia.
O rapaz hesitou por um segundo, depois se aproximou mais e, com delicadeza, passou a mão pela cabeça dela, como se estivesse tentando alcançar um animal assustado. Aiko estremeceu ao toque, mas… não era cruel. Era quente. Acolhedor.
— Você… tem casa? — ele perguntou, fitando aqueles olhos incomuns.
Ela balançou a cabeça em negação.
Ele suspirou.
— Então venha comigo. — disse ele, abrindo os braços. — Eu prometo que cuidarei de você.
Aiko não respondeu. Mas não resistiu quando ele a ergueu no colo. Seu corpo estava leve, quase como o de uma boneca quebrada. A chuva continuava caindo, mas naquele momento, ela não sentiu mais frio.
Ele apertou ela contra o peito.
Um coração acelerado encontrou outro igualmente confuso.
— Meu nome é Satoshi… e você?
Ela demorou para responder. Mas no final, sussurrou.
— Aiko.
E assim, debaixo da chuva, um estranho acolheu uma estranha.
E o destino sorriu em silêncio.