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O campo silenciou.
O fogo de Kátyra queimava sem consumir.
Ela flutuava sobre todos —
a Rainha dos Dragões, Senhora da Última Chama.
O céu escureceu, depois brilhou como ouro líquido.
Ela desceu... lentamente... e pousou diante de Ishelan.
Ele urrava. Espumava.
Mas seus olhos traíam o medo.
Ela estendeu a mão, serena.
Colocou-a sobre a cabeça dele.
E sussurrou, com a voz de mil gerações:
— "O fim começa com o silêncio."
Ishelan gritou.
Seu corpo endureceu.
A pele rachou como terra seca.
E em segundos... virou pedra.
Petrificado.
Eterno.
Condenado a contemplar o brilho que tentou apagar.
Tharion se aproximou.
Com a espada ainda envolta em trovões.
Olhou para Kátyra. Ela assentiu.
— "Pelo sangue derramado.
Pelos filhos perdidos.
Pela luz que insistiu em arder."
E o golpe caiu.
A estátua de pedra explodiu em pó dourado, que se espalhou no ar como cinzas de estrela.
E então…
Flores nasceram.
Por todo o campo:
Tulipas cor de fogo, margaridas luminosas, flores de cristal que cantavam ao vento.
O perfume da vitória cobriu o mundo.
E os gritos de guerra viraram gritos de vida.
— "VITÓRIA!"
Alyes levantou sua lança. Orren ergueu a bandeira com o brasão dos Ursos.
Lyzar caiu de joelhos e chorou.
Dimitry abraçou Tharion.
Kátyra caiu nos braços dele.
A guerra tinha acabado.
Mas a lenda...
a lenda estava apenas começando.
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---Dia seguinte
SALÃO DOS URSOS – AO CREPÚSCULO
Os vitrais derramavam cores douradas sobre o chão de mármore.
Harpas suaves. Tambores discretos. Risos tímidos.
A música do recomeço.
Tharion estendia a mão para Kátyra, os olhos cravados nela como quem reencontra o sol após longos invernos.
Ela aceitou, e os dois deslizaram pelo salão como se os pés não tocassem o chão.
[NARRAÇÃO – VOZ DE THARION]
"O sorriso dela move o mundo.
A alma dela já foi quebrada mil vezes… e mesmo assim, ela sorri.
Eu amei muitas coisas na vida…
Mas nada como amo o jeito que ela insiste em existir, mesmo quando tudo desaba."
Rodopiam. A sala gira com eles. A memória de batalhas ainda vibra nas paredes.
Mas ali...
há apenas luz.
"Sim, houve dor.
Sim, houve guerra.
Mas nós…
nós resistimos."
Kátyra apoia a cabeça no peito dele. Os olhos fechados.
Uma lágrima escapa, e Tharion a beija.
"Porque onde há amor, há retorno.
Onde há fogo, há renascimento.
E onde há ela…
há lar."
A música sobe.
O mundo respira.
E os dois dançam como quem sabe: agora, é para sempre.
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Capítulo – O Silêncio que Segue a Tempestade
A luz suave da manhã entrou pelas janelas quebradas do Palácio do Norte, iluminando o caos da noite anterior. Restos de madeira carbonizada, tecidos rasgados e estandartes desfeitos espalhavam-se pelo chão, como vestígios de uma guerra que ainda ecoava nas paredes.
As criadas começaram cedo. Uma a uma, elas limpavam o salão principal, removendo os estilhaços das vidraças e os vestígios da batalha. Algumas ainda estavam em silêncio, como se o peso da carnificina as mantivesse em uma espécie de transe. Outras conversavam baixinho, sussurrando sobre os heróis que estavam entre os vivos e os que se foram. Falavam de Adam, de Dimitry, de Kátyra e Tharion... e até das crianças que retornaram, com olhos grandes e curiosos, mas com o medo ainda escondido sob a alegria.
Kátyra passeava pelos corredores do palácio, com passos firmes e cabeça erguida, mas seus olhos estavam distantes. A batalha fora vencida, mas ela sabia que as cicatrizes — tanto internas quanto externas — levariam tempo para se curar.
As portas do salão se abriram com um rangido, e Dimitry entrou, ainda com a armadura intacta, mas a face marcada pela exaustão.
— Kátyra — chamou ele, sua voz reverberando na grande sala vazia. — Há algo que precisamos discutir.
Ela virou-se para ele, os cabelos prateados caindo sobre seus ombros. As marcas de guerra ainda estavam visíveis, mas havia algo mais em seu olhar: uma determinação tranquila.
— O que foi, pai?
Dimitry olhou em volta, observando a atividade ao redor, os homens e mulheres se movendo rapidamente para restaurar a ordem, tentando recobrar o que foi perdido.
— O palácio se refaz. Mas o reino... o reino precisa de algo mais agora. — Ele hesitou, o peso das palavras que diria a seguir visível em seu rosto. — E nós sabemos o que está por vir. Os Darxas... não vamos parar por aqui.
Kátyra assentiu, seus olhos ainda fixos no horizonte, como se visse algo distante. Ela sabia que a batalha estava longe de terminar.
— Eu sei, pai. Eu sei.
Ela deu um passo à frente e, com um gesto, indicou que ele a seguisse.
— Mas antes de qualquer outra coisa, precisamos garantir que o que restou... seja guardado. Os sobreviventes. As alianças. O futuro, Dimitry. Não podemos mais permitir que ele seja forjado apenas em sangue.
Dimitry olhou para ela, percebendo a mudança. Ela não era mais a princesa do Norte que pensava que poderia se esconder atrás de uma coroa ou de um trono. Não era mais a menina que tinha medo do poder que carregava. Ela era agora a verdadeira rainha que seu povo necessitava.
E naquele momento, sem palavras, ele percebeu que as próximas decisões não seriam mais suas. O reino não apenas aclamaria a filha do rei — ela se tornaria o farol de tudo o que ainda estava por vir.
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