Capítulo — A Alvorada Dourada
O céu amanheceu tingido por um dourado quente que escorria como mel pelas torres do Reino do Norte. Pela primeira vez em semanas, havia silêncio entre os ventos, como se até os Deuses se curvassem diante do que estava por vir. Kátyra observava da sacada da torre mais alta, vestida com uma túnica simples de linho branco. A cerimônia aconteceria ao entardecer, e seu coração ainda pesava com lembranças, culpas e segredos.
— Sabe, você vai ficar com as bochechas todas marcadas de pensar tanto — disse Aelys, entrando com um vestido dourado em mãos e um sorriso genuíno. — Vim cumprir meu dever como amiga e assistente de casamento.
Kátyra virou-se, surpresa, e sorriu de leve. — Nunca tive amigas... Agradeço por ser a primeira.
Aelys se aproximou e segurou sua mão. — Não diga isso. Amigas não são só para os dias bons. Vamos passar maquiagem até parecer que você nunca chorou e depois encarar esse altar juntas.
A produção começou. Aelys trançou os cabelos prateados de Kátyra com pérolas e fios dourados trazidos do Clã do Ar. A armadura cerimonial repousava dobrada sobre uma mesa, mas ela optaria por um vestido com bordados dracônicos, um tributo à sua avó Moira e ao sangue dos Guardiões.
Enquanto isso, Orren encontrava Tharion no salão de treinamento.
— Pronto para a última noite como homem livre? — brincou Orren, jogando a ele um manto escuro e uma gargalhada discreta. — A Rosa de Ferro nos aguarda.
Tharion arqueou uma sobrancelha. — Espero que você não esteja me arrastando para um daqueles rituais absurdos dos mercadores do sul...
— Só mulheres, vinho e histórias. Nada demais. Bem... talvez um pouco demais — disse Orren com um sorriso maroto.
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No bordel da Rosa de Ferro, as risadas ecoavam entre as tapeçarias carmesim. Orren contou sobre como perdeu uma orelha apostando com uma cortesã que era, na verdade, uma espiã do Clã da Serpente. Tharion, apesar de se manter mais sóbrio que o amigo, ria como há tempos não ria.
Em um canto reservado, Tharion confidenciou:
— Por mais que a ame... não sei se tenho direito de tê-la.
Orren bateu o copo na mesa. — Nenhum homem tem. Mas quando o amor aparece, cabe a nós sermos dignos dele, não donos dele.
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Na torre de honra, Dimitry observava o horizonte, os cabelos ao vento. Cora o encontrou ali e, por um momento, não disse nada. Apenas repousou a mão sobre a dele.
— Nosso bebê vai se casar hoje... — disse ela com a voz embargada.
— E eu não sei se estou preparado para deixá-la partir — respondeu ele, virando-se para encará-la. — Mas sei que ela precisa.
Cora o abraçou com ternura. Pela primeira vez em anos, Dimitry permitiu que as lágrimas caíssem.
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Pouco antes do pôr do sol, Kátyra entrou nos aposentos do pai. Ele estava sentado diante de um espelho antigo, vestindo o manto cerimonial da Casa dos Ursos.
— Deseja que eu a instrua como rei ou como pai? — perguntou ele, sem virar-se.
Ela hesitou. — Como pai.
Dimitry então levantou-se e revelou um objeto coberto por um pano escuro. Ao puxá-lo, revelou o antigo chicote cerimonial de Adam.
— Seu avô o usava não para castigar, mas para lembrar que há dor em cada escolha, e sangue em cada coroa. — Ele se aproximou, colocou a mão no ombro da filha. — Hoje, deixo de protegê-la com minhas mãos e passo a protegê-la com minha fé em você.
Kátyra assentiu, os olhos úmidos. — Prometo honrar isso.
— Então corra. Seu cavalo está impaciente... como você era quando criança — disse ele com um sorriso.
Ela desceu os degraus da torre com tanta pressa que quase tropeçou. Orren e Aelys riram ao vê-la puxar o vestido com as duas mãos e pular na sela como uma criança.
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Na cerimônia, Titos entrou com as alianças, trajando um pequeno manto azul-escuro com o símbolo dos Dragões e dos Ursos costurados à mão. Quando se aproximou da mãe, seus olhos encontraram os dela, e houve entre ambos um instante de eternidade.
Ao longe, Cora chorava em silêncio. Orren enxugava o olho disfarçadamente. Aelys apertava a mão de Kátyra discretamente.
Quando Tharion se aproximou, Kátyra respirou fundo e sorriu. Ele ofereceu a mão e, antes que a cerimônia começasse, Dimitry se aproximou dos dois.
— Últimas palavras de um pai... — disse ele olhando para Tharion. — Proteja minha filha até o fim. E se tiver de morrer por ela, que o faça de pé.
Depois, virou-se para Kátyra. — Seja mais do que rainha. Seja luz para os que virão. E não tema errar, filha. Tema apenas desistir.
Ambos assentiram.
E assim, sob o céu dourado e o olhar dos clãs, Kátyra e Tharion uniram-se diante do mundo.
Mas longe dali, as raízes da próxima praga já se agitavam sob a terra.