Cherreads

Chapter 38 - Pai E Rei.

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Castelo do Norte — Salão dos Espelhos

A noite caía fria sobre o castelo, e o vento sibilava pelas torres como se os próprios espíritos dos antigos reis caminhassem pelos corredores. No Salão dos Espelhos, onde retratos de gerações observavam com olhos eternos, Cora fitava o reflexo da lua nas vidraças enquanto Dimitry permanecia sentado, com os ombros pesados e o olhar perdido.

— Você tem evitado falar dele — disse Cora, quebrando o silêncio. — Tharion.

Dimitry permaneceu quieto por alguns segundos antes de responder:

— Porque tenho medo. Medo do que ele representa… e do que ele desperta em Kátyra.

— E o que seria isso? — Cora perguntou com calma, se aproximando.

— Liberdade. Rebeldia. Escolha. Tudo que eu nunca pude dar a ela… e tudo que me lembra que não sou nem metade do que meu pai foi. — Ele suspirou, os olhos ainda fixos na lareira. — O rei Adam enfrentava deuses sem baixar os olhos. E Moira, minha mãe… ela conjurava tempestades com palavras em grego antigo. E eu…?

— Você herdou algo mais difícil que magia ou glória, Dimitry — Cora sussurrou, ajoelhando-se diante dele. — Você herdou a dúvida. E ainda assim, continua aqui, sustentando um reino à beira do caos. Isso não te torna fraco. Te torna humano.

Ele a olhou com ternura, e tristeza.

— E se eu falhar? Se eu deixar que o Norte se perca de novo?

Cora sorriu, os olhos marejados.

— Então saberemos reconstruir. Como sempre fizemos. Juntos.

Ela pegou a mão dele e a levou até sua barriga, repousando-a ali, devagar.

Dimitry franziu o cenho, confuso. Até sentir o que ela queria dizer. Seus olhos se arregalaram.

— Cora…

— Sim. — Ela assentiu, a voz embargada. — Um novo herdeiro. Um irmão para Kátyra… ou talvez uma irmã. Ainda não sei. Mas o Norte não está morrendo, Dimitry. Está renascendo. Dentro de mim.

Ele ficou em silêncio por um instante, depois apertou a mão dela com força. E então, num gesto raro, encostou a testa na dela — como se aquele pequeno contato fosse um escudo contra o peso do mundo.

— Obrigado — ele murmurou. — Por me lembrar que ainda há luz.

Ela sorriu.

— Sempre haverá. Enquanto houver amor… e herdeiros teimosos como a sua filha e o guerreiro que ela escolheu.

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Portões do Castelo do Norte — Ao entardecer

Os sinos do portão principal ecoaram pelo vale nevado quando a comitiva de Kátyra se aproximou. Guardas abriram passagem, e os estandartes da Casa do Urso tremularam ao vento. Cora já os aguardava no pátio interno, vestida com um manto azul real, e ao lado dela, Dimitry mantinha as mãos cruzadas atrás das costas, tenso como se esperasse um julgamento.

Antes mesmo de desmontar do cavalo, Kátyra já falava:

— …e se ele ousar levantar a voz contra Tharion, eu juro pelos ossos de Adam que vou embora com meu filho! Nem que tenha que viver num estábulo com cheiro de cavalo molhado, eu fico com os dois e não dou um passo dentro desse castelo!

Tharion, montando ao lado, sussurrou ao menino com um sorriso:

— Sua mãe está ensaiando esse discurso desde ontem.

— Eu sei — disse o pequeno. — Ela falou pra uma árvore também.

Quando os cavalos pararam, Kátyra desceu num movimento firme e ergueu o queixo, pronta para disparar todo o discurso ensaiado. Mas antes que dissesse qualquer coisa, Dimitry cruzou os passos até ela e a envolveu num abraço apertado.

— Pai…? — ela sussurrou, surpresa, sendo praticamente sufocada por aquele gesto.

— Shhh… chega de guerra entre nós — murmurou Dimitry, emocionado. — Você voltou. Vocês voltaram.

Ele se afastou apenas o suficiente para olhar para o menino. Seus olhos — tão parecidos com os de Kátyra — encontraram os do avô. E, por um instante, tudo silenciou ao redor.

Então Dimitry ajoelhou-se, tocou os cabelos prateados da criança e o envolveu num abraço também.

— Bem-vindo ao lar, pequeno príncipe.

O menino, meio sem saber o que fazer, murmurou:

— Eu gosto de doces. Muitos.

Dimitry riu pela primeira vez em semanas.

— Vou mandar preparar uma bandeja agora mesmo.

Por fim, Dimitry se ergueu e voltou o olhar para Tharion. Por um instante, o silêncio pesou. Mas então, num gesto firme e contido, ele estendeu a mão.

— Obrigado… por protegê-los. Por trazê-los de volta.

Tharion apertou a mão dele com respeito. — Eu faria tudo de novo.

Dimitry assentiu. — Já é um começo.

Kátyra, atrás deles, limpava discretamente os olhos com o dorso da mão, disfarçando com um resmungo:

— E eu tinha um discurso inteiro pronto…

Cora apareceu ao lado dela e sussurrou com um sorriso:

— Graças aos deuses, dessa vez você não precisou dele.

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