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Chapter 63 - Capítulo 63: Labirintos da Alma

O mundo recomeçou a se mover. O som do vento, antes ausente, voltou com uma fúria quase vingativa. As pedras flutuantes das Montanhas do Silêncio colapsaram com um estrondo ensurdecedor. O céu escureceu, tingido por nuvens vivas, como se a própria atmosfera estivesse reagindo à presença que havia passado por ali.

Ethan se levantou lentamente. Os efeitos da fusão com o primeiro Fragmento ainda reverberavam em seu corpo — força renovada, sentidos aguçados, mas também... algo a mais. Uma dor incômoda atrás dos olhos. Vozes sussurrando palavras que ele não compreendia. Emoções que não pareciam suas.

— Ele está tentando te consumir — disse Elyss, limpando um fio de sangue do canto da boca. — Cada Fragmento que você assimila fortalece sua alma... mas também aproxima você da mente dele.

— Isso vai piorar? — Ethan perguntou, cerrando os punhos.

— Com certeza.

O silêncio entre eles era pesado. Sabiam que não havia tempo para hesitação.

Deixaram as Montanhas do Silêncio ao amanhecer, cruzando vales deformados e vilarejos abandonados. Em muitos lugares, o tempo permanecia em loop. Pessoas presas em ações repetitivas, vivendo o mesmo dia. Ethan tentava ajudar, mas era inútil. Sem controlar totalmente o poder recém-adquirido, sua presença agravava as distorções.

No quarto dia de viagem, pararam diante de um portão antigo cravado em um penhasco, coberto por runas que pulsavam em vermelho.

— A entrada do Véu Interno — murmurou Elyss. — A próxima pista está lá dentro.

Ethan sentiu um arrepio. Aquela construção parecia observar. Não era uma ruína comum.

— O que é isso?

— Uma prisão espiritual. O lugar onde os "eus" que colapsaram foram trancados. Suas consciências ainda vagam lá dentro. Cuidado, Ethan. Você pode encontrar... o que não está pronto para ver.

O interior do Véu Interno era um pesadelo arquitetônico. Salas que se dobravam sobre si mesmas, corredores que levavam ao mesmo ponto, não importando a direção. Parecia um labirinto vivo, alimentando-se das emoções de quem caminhava por ele.

— Não se separe de mim — disse Elyss.

— Eu não pretendo.

Mas ao dar o terceiro passo em um corredor coberto por espelhos opacos, Ethan sentiu uma fisgada na cabeça. Um zumbido crescente. E, num piscar de olhos, Elyss desapareceu.

— Elyss?! — gritou.

Nada.

Olhou ao redor. Todos os espelhos estavam refletindo... momentos da vida dele. Mas não sua vida atual — versões alternativas. Em um deles, viu-se casado com uma mulher que não conhecia. Em outro, comandando um exército. Em mais um, estava morto.

Um sussurro começou a se formar no ar.

— "Você não é único. Nunca foi. É apenas um entre infinitos fracassos..."

A voz parecia sair de dentro dos espelhos.

Ethan apertou os olhos e seguiu em frente, tentando ignorar. Mas algo se movia nos reflexos. Algo que se aproximava. Não demorou para que a imagem emergisse: uma versão de Ethan com olhos completamente negros, dentes afiados, e mãos cobertas por sangue seco.

— Não posso permitir que você continue. — disse o reflexo.

— Então você é o próximo Fragmento?

— Sou o que você matou. E que nunca te perdoará.

Sem aviso, o reflexo saltou do espelho.

A luta foi brutal. Ao contrário do primeiro Fragmento, este estava corrompido. Cada golpe trocado fazia o labirinto se alterar. Os corredores giravam, os espelhos se partiam e novas realidades tentavam invadir o momento.

Ethan sentia-se drenado. A criatura era como um eco do próprio ódio que tentou esquecer. Mas lembrou-se das palavras de Elyss: "Aceitar é dominar. Rejeitar é ser dominado."

Com esforço, parou de lutar.

— Eu aceito você! — gritou, abrindo os braços. — Você é o que fui. O que temia. Mas ainda é parte de mim.

O reflexo hesitou. Chorou. E então, desfez-se em poeira dourada, que foi sugada pelo peito de Ethan.

O impacto foi ainda mais forte que o anterior. O chão se abriu, revelando uma queda infinita. Ethan mergulhou.

Acordou em um lugar branco. Absolutamente branco. Não havia chão, nem teto, nem horizonte. Apenas um espaço vazio e uma sensação de paz sufocante.

Elyss estava ali, sentada com as pernas cruzadas.

— Eu também fui separada por ele — disse. — Isso faz parte do teste. Você passou.

Ethan tocou o próprio peito. Sentia agora dois fragmentos pulsando em uníssono. E junto deles, algo crescendo — uma presença adormecida, observando de longe.

— Quantos ainda faltam?

— Três. Mas os próximos não serão tão fáceis.

— Por quê?

— Porque não são apenas parte de você. Eles são você. Viveram, escolheram, sofreram. E todos acham que você está errado.

Na saída do Véu Interno, uma figura os esperava.

Vestia um manto azul, e segurava um cajado dourado. Era um homem jovem, com cabelos negros e olhos penetrantes. Mas ao ver Ethan, inclinou a cabeça, como se estivesse saudando um velho amigo.

— Finalmente nos encontramos.

Elyss franziu o cenho.

— Você é...?

— O Terceiro Fragmento. O Guardião do Caminho da Escolha.

Ethan se aproximou.

— Vai me atacar?

— Não. Mas vai ter que me convencer de que você merece ser o verdadeiro.

Ethan sentiu o chão tremer. Ao redor deles, a paisagem se transformava. As árvores murchavam. O céu tornava-se vermelho sangue. Tudo foi coberto por uma névoa densa.

O Guardião ergueu o cajado.

— Três julgamentos. Um para cada versão de você que negou o próprio destino. Sobreviva... ou será consumido por mim.

A prova estava apenas começando.

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