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Chapter 43 - Capítulo 43: Tempestade sobre a Torre Negra

A planície diante da Torre Negra tremia com o peso da iminência. O céu, encoberto por nuvens enegrecidas e cortado por relâmpagos vermelhos, parecia refletir a tensão acumulada ao longo das últimas eras. Ao longe, erguia-se a própria Torre — não apenas uma construção, mas um símbolo da dominação de Kael. Alta o suficiente para rasgar o céu, envolta em energia escura, pulsava como um coração doente no centro do mundo.

Diante dela, milhares marchavam.

A coalizão formada por Ethan reunia humanos, elfos, anões, nômades, arcanistas renegados, tribos esquecidas e até mesmo bestas mágicas ancestrais que outrora se esconderam do toque corruptor do Primórdio. Cada passo em direção à torre era um desafio ao destino que Kael escrevera com sangue e silêncio.

E, à frente de todos, Ethan.

Vestia agora uma armadura forjada a partir dos dois Elos — luz e trevas entrelaçadas como raízes de uma árvore impossível. Em suas costas, a lâmina de vínculo, antes instável, agora era uma extensão perfeita de sua essência. Mas mais que sua aparência, o que tornava todos ao seu redor confiantes era o olhar.

Ethan não hesitava mais.

— Líderes da terra. Guerreiros livres. Últimos filhos do mundo que Kael tentou apagar. — sua voz ecoava como trovão calmo, amplificada por runas lançadas por Roran — Este é o fim da era das correntes. Não marchamos para vencer apenas uma guerra. Marchamos para decidir o que o mundo será daqui em diante.

Silêncio. Então, uma onda de gritos tomou a planície.

— ETHAN! ETHAN! ETHAN!

Ethan ergueu a mão, pedindo silêncio. Então, apontou para a torre.

— Vamos mostrar a ele... que até um deus pode sangrar.

Kael observava tudo do pináculo da Torre Negra. Seus olhos, incandescentes como sóis em colapso, assistiam às forças se formando à distância. Atrás dele, seus generais — criaturas que lembravam homens apenas na silhueta, mas que já não carregavam alma ou lembrança de humanidade — aguardavam.

— Ele vem. — disse Lys, surgindo das sombras como um presságio. — E não sozinho. Trouxe a vontade de milhares. E mais perigoso: trouxe esperança.

Kael não respondeu de imediato. Caminhou até o trono negro feito de ossos fundidos e aço vivo. Sentou-se como um rei em julgamento.

— Então que venha. Que mostre ao mundo por que todos aqueles que desafiaram esta torre foram enterrados no silêncio eterno.

O primeiro impacto aconteceu ao amanhecer.

As legiões corrompidas de Kael emergiram das profundezas: criaturas com olhos múltiplos, corpos fundidos com metal e magia, sombras vivas que avançavam como uma maré. Mas a coalizão não hesitou. Liderados por Ethan, formaram um semicírculo que fechava em direção à torre.

Elira, montada sobre uma serpente alada, mergulhou sobre os flancos inimigos, cortando sombras com uma lança encantada. Roran, do alto de uma colina, canalizava magias ancestrais através de um núcleo arcano instável preso ao peito — cada disparo rasgava dezenas de inimigos com precisão absurda.

Ireth, por sua vez, desaparecia e surgia como um lampejo de luz branca, conduzindo seus seguidores elfos em manobras cirúrgicas para desestabilizar as fileiras da legião.

E Ethan… Ethan não apenas lutava.

Ele era o campo de batalha.

Cada golpe de sua lâmina moldava o terreno. Cada estalo de seu poder misto desintegrava monstros que pareciam imortais. Ele se movia como se dançasse entre a vida e a morte, absorvendo o caos ao seu redor como combustível.

A primeira onda caiu.

Mas a segunda veio maior.

Kael, observando de sua torre, ergueu a mão — e o céu se rasgou.

Do alto, a Lua de Ruína, o satélite criado por ele a partir do Elo da Morte, começou a descer lentamente. Era como se puxasse consigo a realidade, distorcendo o tempo, a gravidade e até a sanidade dos que olhavam para cima.

Ethan olhou para o céu e compreendeu: aquela lua era um catalisador. Se colidisse com o solo, toda a existência naquele continente deixaria de ser.

— Ele vai destruir tudo... mesmo que isso signifique perder. — disse Ireth, surgindo ao seu lado. — Ele escolheu a aniquilação.

Ethan apertou os punhos. Sentia o Elo Duplo pulsar com mais intensidade do que nunca.

— Então vou até ele. Agora.

A investida foi suicida. Ethan, acompanhado apenas de Elira, Roran e Ireth, atravessou as linhas de frente enquanto o restante do exército mantinha a retaguarda ocupada. Kael sabia que ele viria — e preparou armadilhas vivas dentro da própria torre.

O interior da Torre Negra era um labirinto de dor e passado. Ecos de gritos antigos, imagens distorcidas de mundos destruídos, corredores que mudavam de posição. Era como entrar em uma mente quebrada, onde cada lembrança era uma armadilha.

Roran foi o primeiro a se perder.

Ao atravessar uma ponte suspensa entre dois salões, uma criatura feita de puras memórias o agarrou. Ele lutou, mas percebeu que não venceria com força.

— Vão! Eu os alcançarei! — gritou, ativando uma runa explosiva em seu peito.

A explosão abriu caminho, mas selou o corredor atrás deles.

Ethan apertou os dentes.

— Perdê-lo assim... não era parte do plano.

— Nada disso é plano. — respondeu Ireth. — Estamos dançando com o caos. E estamos ganhando.

No salão final, Ethan empurrou as portas. E lá estava ele.

Kael.

Sentado em seu trono. Majestoso. Monstruoso. Olhos queimando com o poder de eras. Mas havia algo mais. Algo que Ethan só notou quando seus pés tocaram o solo daquele lugar.

Kael estava morrendo.

— Você sente, não sente? — Kael sorriu. — Esse poder que me sustentava... também me consome. Cada fragmento do Primórdio... é uma maldição.

Ethan deu um passo à frente.

— Você sabia disso o tempo todo. Ainda assim, mergulhou mais fundo. Por quê?

Kael se ergueu. Um ser gigantesco, feito de carne, sombra e energia.

— Porque prefiro ser a última chama a queimar o mundo... do que vê-lo nas mãos de tolos. Como você.

A batalha foi cataclísmica.

Kael conjurava realidades instáveis. Ethan contra-atacava fundindo luz e trevas em formas impossíveis. Ireth desviava ataques que rasgavam o tempo. Elira cortava tentáculos que surgiam do chão, mantendo as distorções afastadas.

O chão rachou. As paredes explodiram. O céu acima se abriu — e a Lua de Ruína acelerou sua descida.

— Não podemos pará-la. — gritou Ireth. — A única forma de impedir... é cortar a âncora. Kael É a âncora.

Ethan entendeu.

Para deter tudo, precisava destruir Kael por completo — não apenas o corpo, mas a essência.

— Se eu usar o Elo Duplo em sua totalidade... posso desfazer ele. Mas talvez... me desfaça também.

Kael gargalhou.

— E então? Vai fazer o que todos fazem no fim? Vai hesitar?

Ethan olhou para os aliados. Para tudo que haviam feito. Para o mundo lá fora.

Então, sorriu.

— Não. Eu vou escolher. De novo. Pela última vez.

E ativou o Elo.

Um vórtice de energia se formou. Luz e sombra girando ao redor de Ethan como um colapso estelar. Ele avançou, cortando Kael no centro do peito. Mas não foi apenas um golpe físico. Foi uma ruptura na essência.

Kael gritou. Não de dor, mas de alívio.

— Finalmente... alguém... capaz...

E então, desapareceu.

A Lua de Ruína parou.

Suspensa no céu, tremeluziu... e se desfez em poeira cósmica.

Ethan caiu de joelhos. Ainda respirava. Mas algo havia mudado. Parte de si havia ficado naquele golpe. Parte... talvez a mais humana.

Ireth correu até ele. Elira também.

— Você venceu. — disse ela, quase sem acreditar.

Ethan não respondeu. Apenas fitava o céu. Não havia mais escuridão. Apenas uma aurora tímida... nascendo onde antes havia sombra.

— Não... nós vencemos.

O mundo não se curou de imediato.

Mas começou.

A torre caiu dias depois, devorada por si mesma. Os povos livres reconstruíram alianças. As velhas ruínas floresceram com novos nomes. E em todos os cantos do continente, contava-se a história daquele que ousou tocar o Primórdio… e usá-lo não para dominar, mas para libertar.

Ethan não buscou trono, nem títulos. Apenas caminhou para o norte, sozinho, em silêncio.

Mas dizem... que nas noites de lua cheia, quando os ventos sopram estranhos, ele ainda caminha entre os vivos — como uma promessa viva de que o mundo, sempre, pode ser escolhido de novo.

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