O caminho aberto pelas raízes da Árvore da Escolha se estendia à frente de Ethan como um corredor de luz viva. As bordas pulsavam com energia ancestral, e o ar carregava um aroma impossível de descrever — algo entre o cheiro da chuva caindo em pedra antiga e o sopro frio do vazio estelar.
Ele caminhava em silêncio.
Cada passo parecia ecoar dentro de sua alma, como se o próprio solo estivesse absorvendo sua essência, testando-o, analisando cada parte do que ele era. A luz dourada da esfera em sua mão tremeluzia levemente, ainda firme, mas agora mais íntima, como se compreendesse o que acabara de acontecer.
Ethan havia enfrentado sua sombra — e vencido, não com força, mas com aceitação.
Mas ele sabia que aquilo não era o fim. Era apenas a chave de entrada para o verdadeiro desafio.
Ao final do caminho, surgiu uma câmara circular, talhada diretamente dentro das raízes da árvore. As paredes pulsavam com runas vivas, que serpenteavam em espirais, convergindo para o centro da sala: um pedestal de cristal branco, flutuando alguns centímetros acima do solo.
E repousando sobre ele… estava o Coração do Vínculo.
Era diferente de tudo que Ethan já havia visto. Não era um objeto comum — não era uma pedra, nem uma joia, nem um artefato esculpido. Era uma esfera translúcida, em constante mudança, com cores e formas dançando em seu interior como se o universo inteiro pulsasse dentro dela. Às vezes parecia conter galáxias. Em outros momentos, fragmentos de memórias. Em outros ainda… rostos.
Um deles era o dela.
— Ellie…?
A imagem da irmã piscou dentro do coração por um breve instante, e depois desapareceu.
Ethan sentiu as pernas tremerem. Não via o rosto dela com tanta clareza desde que ela desaparecera no próprio mundo original. Aquela imagem, mesmo que breve, acendeu algo dentro dele. Um lembrete.
O Coração do Vínculo não era apenas um artefato de poder. Era um espelho do elo mais profundo de quem o tocava. Um elo que poderia ser manipulado, ampliado — ou quebrado.
Antes que pudesse se aproximar, uma voz ressoou pela sala. Baixa. Distorcida. Mas familiar.
— Tantos chegaram até aqui… e falharam. Tantos ousaram tocar o elo da criação… e foram consumidos.
Ethan girou sobre os calcanhares. Do outro lado da sala, surgia uma figura feminina. Ela caminhava com passos leves, quase etéreos, e sua silhueta parecia dançar entre a luz e a sombra. Trazia uma capa feita de folhas mortas e um colar com um pingente igual à esfera que Ethan carregava.
Seus olhos eram completamente negros, mas cheios de vida.
— Quem é você? — perguntou ele, sentindo a tensão crescer em seus músculos.
— A primeira. — ela respondeu, com um sorriso triste. — A primeira a tocar o Coração. A primeira a falhar.
Ela se aproximou do pedestal, mas não o tocou. Seus olhos, no entanto, estavam fixos em Ethan.
— Você acha que está pronto. Que venceu sua sombra. Que entende o que é o sacrifício. Mas o Coração não se curva à bravura nem ao amor. Ele responde à verdade. A verdade mais profunda.
Ethan manteve a respiração contida. Aquela mulher emanava poder, mas não agressividade. Ela era como uma cicatriz antiga — viva, mas marcada.
— Qual é o seu verdadeiro elo, Ethan? — ela perguntou, sem levantar a voz. — Sua irmã? Seu arrependimento? Sua busca por redenção? Ou é o desejo de ser mais do que o mundo permitiu que você fosse?
As perguntas o atingiram como golpes invisíveis. Ele tentou responder, mas as palavras se recusavam a sair.
— Você precisa saber. — ela continuou. — Se tocar o Coração com incerteza, ele o devorará. O que você viu até agora — suas visões, sua sombra, o Guardião — tudo isso foi o prelúdio. O verdadeiro teste começa agora.
E então ela desapareceu. Como fumaça sendo levada pelo vento.
Ethan ficou sozinho diante do Coração. E pela primeira vez… teve medo.
Não o medo de morrer. Mas o medo de não ser o suficiente.
Com passos lentos, ele se aproximou. A esfera dourada em sua mão vibrava com força agora, como se estivesse reagindo à presença do Coração do Vínculo. E, enquanto andava, memórias começaram a emergir.
Ele viu a infância — os treinos brutais, as noites sozinho, o peso das expectativas.
Viu a irmã mais nova, Ellie, olhando para ele com olhos que sempre brilharam de confiança, mesmo quando ele próprio duvidava de si.
Viu o momento em que ela desapareceu, naquele dia estranho, quando as fronteiras entre os mundos pareceram ruir.
Viu sua própria fuga, sua busca, sua jornada até aquele mundo de almas, espírito e destino.
E entendeu.
— Meu elo… é ela. — sussurrou.
Mas não apenas pelo amor fraternal. Era mais profundo. Ellie era a única que via Ethan como ele era de verdade. Não como o soldado. Não como o prodígio. Mas como o irmão. O humano. O menino que só queria proteger alguém… e falhou.
Mas não desistiu.
Com um último passo, Ethan estendeu a mão.
A esfera dourada dissolveu-se em luz e foi absorvida pelo Coração.
E, pela primeira vez, o Coração respondeu.
Luz explodiu da sala, envolvendo tudo em calor e energia. O pedestal se partiu, e a esfera flutuou até o centro da sala, girando cada vez mais rápido. Runas das paredes se acenderam com intensidade, e a árvore inteira pareceu vibrar com um rugido silencioso.
Uma voz, diferente de todas as outras, ecoou em sua mente. Não era uma linguagem comum. Era… sentimento.
"A verdade foi aceita. O elo está refeito. Mas o preço será cobrado."
Ethan caiu de joelhos. A dor em seu peito foi insuportável. Como se algo estivesse sendo arrancado — ou inserido — dentro dele. A luz do Coração se fundiu com o seu corpo, marcando sua pele com um símbolo: duas correntes entrelaçadas, sobrepostas a uma estrela de seis pontas.
Quando a luz cessou, o silêncio retornou.
Ethan estava sozinho. Mas agora… carregava dentro de si o poder mais antigo daquele mundo. O Elo Primordial.
E, nas profundezas do mundo espiritual, algo despertou.
Algo que sentira a ativação do Coração.
Algo que o observava desde o início.