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Chapter 41 - O julgamento no salão dos Ursos

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– O Julgamento no Salão Dos Ursos.

Antes da comitiva partir, a tensão se espalhava como fumaça. Nobres cochichavam nos corredores, e o medo do desconhecido dava espaço para a velha covardia dos palácios: achar um culpado para o inominável.

Durante uma reunião no Salão Dourado, Lorde Meirell, da Casa da Águia , levantou-se com uma expressão carregada de hipocrisia e piedade fingida.

— Com todo o respeito ao Conselho e à dor da Princesa Kátyra — disse, olhando de soslaio para Cora e Aelys— é preciso considerar que o mal pode ter brotado de dentro. De dentro da própria linhagem...

Todos se entreolharam. A respiração do salão prendeu-se.

— O menino... o bastardo — disse ele, com a voz mais firme agora — adoeceu primeiro. Disse que era a chave. Ele pode ser um... catalisador. Um filho marcado por sangue impuro. Quem garante que não foi o sangue do Ataxa que despertou a praga?

Silêncio sepulcral.

Dimitry levantou-se sem pressa. Nenhuma emoção no rosto. Nenhum sinal de fúria — o que era ainda mais assustador.

Ele caminhou até Lorde Meirell. O salão inteiro observava como se o tempo houvesse congelado.

— Você tem cinco minutos.

— Majestade...?

— Cinco minutos, para provar o que disse. Prove, com magia, testemunhas ou verdade divina, que meu neto é o causador da praga. Que ele é culpado. Caso contrário... será executado por traição e difamação em tempo de guerra.

Meirell empalideceu. Balbuciou. Procurou apoio entre os outros senhores. Ninguém se moveu. Nem um só aliado.

— Três minutos — disse Dimitry.

— Eu... eu apenas sugeri uma possibilidade! Pelos céus, eu não quis—

— Dois.

— Por favor, Majestade, eu tenho fil—

— Um.

Dimitry sacou a lâmina curta cerimonial que trazia no cinturão. Era prateada, com inscrições de justiça da Casa do Urso. Meirell caiu de joelhos.

— Eu retiro o que disse! Pela minha casa, pela minha honra, eu—

O corte foi limpo. Silencioso. E definitivo.

O corpo tombou para o lado. Dimitry olhou para os outros presentes com frieza glacial.

— Se o mundo está desmoronando, que desmorone.

Mas meu neto não será queimado vivo para acalmar a covardia de quem nunca sujou as mãos na linha de frente.

E então se virou para Tharion, do outro lado do salão.

— Traga-o de volta. Custe o que custar.

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– A Herança do Chicote

O pátio de armas estava silencioso como um templo. O céu, cinzento e baixo, parecia pesar sobre os ombros dos quatro que partiriam: Kátyra já montada em seu cavalo de crina escura, Tharion ajustando as armas, Aelys observando o horizonte com olhos de águia, e Orren concentrado, sussurrando encantamentos de proteção.

Mas antes da partida, Dimitry chamou a filha.

Ela hesitou. O coração acelerou — não por medo de monstros, mas por saber que havia algo mais profundo no olhar do pai. Algo que nem mesmo Tharion compreendia.

O encontrou sob as arcadas do palácio, onde o vento sibilava como as antigas canções da Casa do Urso.

— Quer que eu fale contigo como rei ou como pai? — perguntou ele, sério, sem rodeios.

Kátyra engoliu seco. Sentiu os joelhos amolecerem um pouco.

— Como... pai.

Ele assentiu.

Sem dizer nada, Dimitry caminhou até uma arca próxima, de ferro e madeira escura. Abriu-a. De lá, tirou um objeto envolto em linho antigo. Ao desembrulhar, revelou-se um chicote de couro trançado, com o cabo entalhado com o brasão do urso.

— Esse era o de Adam. Meu pai.

— Pai...? — murmurou Kátyra, um pouco pálida.

— Ele nunca precisou usá-lo em mim — disse Dimitry, com calma fria. — Mas sempre o deixava à vista, como lembrança de que os erros da linhagem têm peso. Peso real. Sangue real.

Kátyra sentiu o suor nas mãos. Ficou muda.

Ele se aproximou e colocou o chicote na mão dela.

— Eu nunca vou usá-lo em você.

Mas você deve lembrar de que um dia talvez tenha que usá-lo em si mesma.

— O que isso quer dizer? — ela sussurrou.

— Que há decisões que nem o amor, nem a coroa, podem justificar. E você... terá que tomar uma dessas em breve.

Por um instante, tudo ficou em silêncio entre os dois.

Então Dimitry se virou e gritou com a voz de comandante:

— MONTEM!

Kátyra engasgou no susto, prendeu a bainha da espada na perna e correu apressada em direção ao cavalo — tropeçando no manto e quase esbarrando em Orren, que murmurou:

— Que as deusas te guiem, princesa desastrada.

Tharion riu discretamente, montando com facilidade. Aelys ergueu uma sobrancelha.

— Graciosamente apressada como sempre, Alteza.

Kátyra lançou um olhar mortal para os três enquanto montava rapidamente e ajeitava a postura com dignidade forçada.

— Não comentem uma palavra sobre isso.

Tharion sorriu, com o olhar suave:

— Eu prometo... pensar bastante antes de zombar de novo.

Ela bufou, mas seus lábios traíram um meio sorriso. Então fitou o portão do norte.

O mundo lá fora era cruel. Mas algo dentro dela — talvez o peso daquele chicote ancestral — dizia que ela estava pronta. Ou teria que estar.

E então, partiram.

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